Embora exista um maior espaço do que jamais se teve para falarmos sobre saúde mental, o tema ainda carrega muitos olhares positivistas que nada contribuem para o que poderíamos dizer do sentimento de sermos saudáveis. Eu sempre digo que a Fenomenologia Existencial mostra a importância da não rotulação de pessoas em sofrimento porque olha para a existência humana com mais compreensão do que interpretação. Isso dá mais espaço para que haja respeito com a singularidade e subjetividade de cada indivíduo.
Um dos principais autores desta forma de enxergar o ser humano é o Jean-Paul Sartre. Ele destaca a importância da liberdade, a responsabilidade e a capacidade de transformação do ser humano, além de enfatizar a singularidade de cada indivíduo e de cada existência.
Os efeitos da rotulação
Quando rotulamos as pessoas que estão em sofrimento, reduzimos suas experiências a nomes em categorias pré-determinadas que nada dizem. Por vezes essas rotulações mais estigmatizam e discriminam do que realmente explicam alguma coisa – afinal, elas falam de maneira simplista sobre algo extremamente complexo e subjetivo de cada pessoa.
Os rótulos e nomenclaturas podem ser prejudiciais quando passam por cima das reais experiências das pessoas. A supervalorização desses elementos pode atuar de maneira ruim na autoestima dos indivíduos, assim como sua capacidade de mudança e adaptação. Quando isso acontece, acaba-se restringindo as possibilidades de vida do indivíduo ao invés de aumentá-las.
Um tesouro chamado singularidade
Por esses motivos é que, antes de qualquer coisa, deve-se acolher, compreender e aceitar a experiência subjetiva de cada um, ou seja, respeitar a maneira de cada um se sentir perante as situações e olhar para este ser como alguém único. Para isso é preciso ouvir o que está sendo dito sem julgamentos, sem buscar interpretar ou compreender essas experiências por meio de outras que já tenhamos tido contato. Quando damos espaço para os sentimentos e experiências mais crus, damos espaço ao indivíduo para ele realmente ser quem ele é – e não há nada mais humano do que deixar outro humano ser.
Importante lembrar também que na existência singular de cada um está o contexto onde essa pessoa vive (social, cultura, econômico, histórico, psicológico…). Isso reforça a ideia de que é impossível olhar para o sofrimento e categorizá-lo em conjuntos de sintomas que desconsideram esses aspectos.
Sendo assim, é impossível pensar um contexto terapêutico baseado em nomenclaturas que excluem o que realmente faz daquele indivíduo quem ele é. Por esse motivo é que frisamos tanto a importância da escuta nesses espaços – que é muito mais do que utilizar-se da audição. Ouvir alguém é acolher aquele que é formado em condições diferentes das nossas mas que ainda carrega características semelhantes. É permitir que outro ser humano sinta o que ele sente e manifeste o que ele é.
Referências:
SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada. , 2021.
GOFFMAN, E. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. LTC, 2021.
ANGERAMI-CAMON, V. A. (org.) Psicoterapia fenomenológico-existencial. Thomson, 2002.
Cada um de nós é um universo – Raul Seixas
Quem sabe um dia entendermos isso.